Lampejos da memória II: O Circo
Da coletânea: Lampejos da Memória II: O Circo
Por Jabert Diniz Júnior - Santarém,Pa
Um circo, nos moldes dos circos de antigamente |
Na tarde de uma sexta-feira, ali pelas cinco horas, pela frente de casa passa um carro com alto-falante anunciando, em alto e bom som, o espetáculo do grande circo recém-chegado à cidade.
Era muito barulho, eram muitas crianças correndo atrás. E o homem, de dentro do carro, com o microfone na mão, perguntava, gritando: "Hoje tem espetáculo?" Ele mesmo respondia, junto com o coro da molecada: "Tem sim, senhor!. E repetia: "Hoje tem espetáculo?", Tem sim, senhor!".
Acompanhando o carro também, iam dois dos palhaços do circo, com enormes pernas-de-pau, com um andar desengonçado, dando confiança e bombons pra molecada. Era muita alegria, era muita expectativa para a grande noite. O carro passava pela nossa rua e por todas as ruas da cidade, que, naqueles tempos não eram tantas. E aonde passava, mais crianças se juntavam para acompanhar os palhaços e o carro de som, um caminhão todo estilizado e colorido, que pertencia ao circo.
Era assim. Quando chegava um circo na cidade, a molecada ficava eufórica. Na verdade, a cidade toda ficava agitada, já que um circo significava diversão na certa, numa cidade como Alenquer, onde não havia tanto atrativos noturnos na década de 1970. E os circos também eram sensacionais. Tinham atrações que divertiam todo o tipo de público: crianças, jovens, adultos e idosos.
Para ter acesso ao circo, naturalmente, precisava pagar o ingresso. Alguns cidadãos ximangos tinham o privilégio de ganhar um "permanente", que era uma espécie de cartão que dava acesso gratuito aos espetáculos circenses para toda a família. Esses privilegiados eram as pessoas influentes da cidade, como o prefeito, vereadores, o delegado e alguns outros figurões.
Havia uma outra forma de acessar o circo que era muito mais divertida, mas também, perigosa. Era "furar", isto é, entrar sem pagar. Era como eu e alguns amigos fazíamos. Não era apenas para não pagar o ingresso, era, também, porque mexia com nossa adrenalina, era uma grande aventura, na maioria das vezes.
Correr o risco de ser flagrado, levar uns cascudos e ser posto pra fora, era uma aventura à parte. Era a minha forma preferida de entrar no circo. Não era fácil, não. Ficávamos um bom tempo de um lado para outro, tentando achar um local pouco vigiado para entrarmos. E quando um achava, chamava os outros: "- Ei, Daniel, ei Cassete, aqui, aqui, Kleber, Joaquim, Rivail, Mazote, Guto, Bita, Canário venham aqui!". A voz chamando era meio sussurrante para os vigias do circo não escutarem.
E, um atrás do outro, a molecada corria, passava pelo arame farpado, depois por debaixo da lona, indo, daí, cada um pra um lado pra não dar "bandeira", procurando um lugar no "poleiro". Vez ou outra, um era pego e posto pra fora. Este, ou ficava tentando entrar novamente, ou ia pra casa chorando porque tinha levado uns cascudos. Já, quem conseguia se enturmar no "poleiro", passava o resto da noite se deliciando com o maior espetáculo da terra, o circo.
Nesta noite de espetáculo, desde cedo as pessoas começaram a chegar ao circo, que dessa vez, como de várias outras vezes, estava instalado atrás do antigo "SESP", por trás da Matriz de Santo Antonio. Era um circo bastante famoso. Já tinha passado por Belém e Santarém.
Para assistir ao espetáculo, havia as cadeiras, que ficavam bem pertinho do picadeiro, para onde iam aquelas pessoas mais abastadas da cidade e também os cidadãos privilegiados, aqueles que recebiam o "permantente"; e as arquibancadas, conhecidas como "poleiros", cujo o ingresso era mais barato e mais popular.
Os "poleiros" eram assentos bem rústicos, desconfortáveis, construídos de tábuas que circundavam o picadeiro, beirando a lona interna do circo.
Arquibancada ("o poleiro") de um circo. |
Circo famoso, com grandes animais como elefantes, girafas, zebras, panteras e leões no espetáculo, a cidade toda queria assistir. Isso era inédito para a grande maioria do público
E continuava a chegar gente, chegar gente, e veio gente de tudo quanto é lugar em torno da cidade para assistir ao espetáculo dessa noite de sexta-feira. Não havia mais lugar no "poleiro". E conforme as pessoas iam lotando as arquibancadas, os vãos entre uma tábua e outra iam se abrindo.
E, depois de tocar uma música já bem conhecida que sempre antecedia o início das atividades circenses, o apresentador, todo paramentado, de fraque vermelho e cartola preta, dá as boas-vindas ao público. " - Rrrrespeitável público, booooa noooiiittee, sejam bem-vindos aos Grande Circo...". E dizia o nome do circo. E o espetáculo sempre começava com os palhaços: Peteleco, Juca, Pipoca, Batatinha, Jerereco... e outros. A molecada só faltava de mijar de rir das presepadas deles. Era muita palhaçada...
Na sequência, vinham os malabaristas, a corda-bamba, os trapezistas, o globo da morte. O grande mágico também tinha seus momentos de glória, com seus intrigantes truques. Era realmente uma noite sensacional na cidade. Mas o público, que já etava se divertindo bastante, ansiava em ver os animais africanos, especialmente os leões.
E finalmente surge o primeiro número com os animais. Os chimpanzés, um casal. Que nem a Chita do filme do Tarzan. E faziam muitas macaquices. Depois, os elefantes. Que mágico, os elefantes obedeciam ao seu domador, que com um estalar de chicote (splet) mandava que eles ficassem de pé, andassem apenas com as patas trazeiras, ou se equilibrassem com as patas dianteiras, e outras coisas mais que, para o público, era magnífico.
Na sequência, vieram zebras e depois as enormes girafas a executarem seus números. Mas o público queria ver os felinos. E eles vieram, enfim. Dois magníficos leões. Este número, para a segurança do grande público, era feito dentro de uma enorme jaula que foi trazida para cima do picadeiro.
E o domador, entrando na jaula, estalava seu chicote, submetendo o animais às suas ordens. "Splet", e os leões abriam sua enormes bocas num urro estrondoso, deixando o público apreensivo. Splat, e os leões se levantavam nas patas trazeiras. Em certo momento, parecia que os leões atacariam seu domador, mas aí "splet", e os leões obedeciam, com suas jubas eriçadas.
No puleiro o frisson era geral. "Meu Deus, que coragem!", dizia uma mocinha; "se um desses escapar dessa jaula, acho que desmaio!", disse uma jovem senhora. Um moleque comentou com outro: "Se o Tarzan tivesse aí, ele derrubava os dois leões".
E o circo estava completamente lotado. Não havia lugar para mais ninguém. Entre uma tábua e outra do poleiro, as frestas abertas, também havia gente sentada. Conforme as pessoas iam se sentando, essas frestas iam se abrindo. E foi aí, num desses lugares, que um senhor estava sentado. E conforme a fresta ia se abrindo, o testículos do sujeito iam entrando no vão.
Num determinado momento do número com os leões, alguma coisa aconteceu que a porta da jaula se abriu e um dos leões fugiu. Foi um verdadeiro "Deus nos acuda", um terror. Os primeiros a correrem foram os que estavam nas cadeiras próximas ao picadeiro. Foi um grande alvoroço, muita gritaria. Em seguida, o público que estava no "poleiro", num movimento brusco, se levantou de uma só vez e as tábuas dos poleiros rapidamente voltaram à sua posição original. Nisso, o sujeito que estava com os testículos entre os vãos sentiu um aperto brutal.... "Uuuuhh", gemeu ele. E, sem conseguir se mexer, com a voz embargada, quase sumindo, e com lágrimas escorrendo dos olhos, ainda conseguiu balbuciar: "Senta, borra, senta, baralho, senta, pelo amor de Deus, que o leão é manso!".
Bem nessa hora, o domador conseguiu domar e recolher o leão. E, mais calmas, as pessoas do "poleiro" sentaram-se novamente.
Quase desmaiando, o sujeito imediatamente conseguiu sair daquele lugar.... "Ahhh!".
Simulação do sujeito sentado no poleiro |
A molecada, no dia seguinte, espalhava a notícia na cidade e o sujeito do "poleiro" garantiu que nunca mais iria a um espetáculo de circo.
Nota do autor: Esta é uma crônica romanceada, o que significa dizer que alguns detalhes aqui postos são ficção e tem como único propósito florear o texto, com o intuito de divertir o leitor.
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