O FUTEBOL AMADOR no Parque da Cidade de Santarém-Pa
Por Jabert Diniz Júnior
Vista aérea do Parque da Cidade, em Santarém — Fonte: Ascom PMS/Divulgação
Que o Futebol é uma paixão nacional brasileira, isso é indiscutível. E a ideia de usar o futebol para criar uma identidade nacional foi construída no decorrer dos anos, fazendo parte, hoje, da cultura do Brasil.Um jovem de hoje nota que o futebol movimenta um mercado financeiro bilionário, proporciona eventos globais, transforma atletas de todas as origens em ídolos internacionais, alterando drasticamente sua situação financeira. No entanto, a história do futebol não começou assim. Até atingir a esse nível, ele trilhou uma longa jornada, sem nenhum tipo de glamour ou holofotes.
O futebol começou a ser praticado na Inglaterra ainda no século XVII, onde, naturalmente, àquela época, não tinha o formato que tem hoje e nem sequer era chamado de futebol. Chegou ao Brasil em 1894, trazido por Charles Miller, um jovem filho de ingleses que veio para São Paulo após realizar seus estudos na Europa, transformando-se, tempos depois, em um dos esportes mais populares do mundo.
Logo o futebol foi se popularizando no Brasil, que é atualmente o país que tem o maior número de títulos na Copa do Mundo e tem Pelé como o principal jogador de futebol de todos os tempos.
Nacionalmente, os clubes de futebol disputam o Campeonato Brasileiro em várias divisões e mais a Copa do Brasil, que são regidos pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Há, ainda, os campeonatos regionais comandados pelas federações locais. As principais equipes também disputam alguns torneios sul-americanos, como a Copa Libertadores da América e a Copa Sul-Americana.
De forma amadora, no entanto, o futebol é praticado em todos os cantos do país por meninos, meninas, jovens, adultos e senhores da terceira idade (o chamado futebol sênior). Seja futebol amador, futebol de várzea, racha ou pelada, a prática do futebol é atividade de grande importância nas periferias das cidades do país, promovendo diversão, socialização, saúde e bem estar. O que importa é reunir os amigos e se divertir “jogando bola”.
Contudo, nos últimos anos o número de espaços públicos para a prática do futebol, os chamados “campos de várzea”, especialmente nas periferias, vem diminuindo significativamente em função de vários fatores, tais como o processo de urbanização e a especulação imobiliária, surgindo daí, o futebol society, uma modalidade de futebol praticada em quadras privadas, em que os futebolistas amadores pagam para utilizá-las.
Seja com as regras oficiais, seja com regras adaptadas pelos organizadores das peladas, o futebol é democraticamente praticado proporcionando muita diversão durante e, muitas vezes, ainda mais, após os jogos, quando rola a resenha com cerveja e churrasco.
Em Santarém, no Oeste Paraense, “coração” da Amazônia, além das tradicionais peladas nos finais de tarde, há ainda os torneios e campeonatos que são organizados por clubes (para seus associados), empresas, (para seus colaboradores) e instituições públicas, como, por exemplo a Ufopa, Uninversidade Federal do Oeste do Pará, que desde 2015, através de seus servidores, promove pelo menos um campeonato anual, tal qual foi, na sua V Edição, em 2022. Após dois anos sem campeonato, interrompido pela pandemia, o I campeonato de Fut7 teve como tema a Copa do Mundo, com seis equipes (Alemanha, Argentina, Espanha, França, Inglaterra e Uruguai) e a Inglaterra sagrou-se campeã, uma equipe comandada pelo multitalentoso “Mister” Zair Henrique, que mostrou mais um talento, agora como técnico de futebol.
Inglaterra da Ufopa - Campeão do I Ufopa World Cup 2022
Da esquerda para a direita, em pé: Bira, Carlos Macarrão, Kadete, Gleidson, Cristóvam, Bruno (goleiro), André e Daniel. Agachados: Arlen, Andresson, Mister Zair, Jabert e maestro Júlio. - Fonte: Blog JD
Ainda nas décadas de 1960, 1970 e 1980, dizem os peladeiros veteranos mocorongos, o futebol na cidade tinha muita qualidade, já que os atletas eram muito habilidosos. E era prazeroso tanto praticar como assistir aos jogos nos mais diversos campos espalhados por toda a cidade. E as duas equipes tradicionais da cidade, São Raimundo e São Francisco, que faziam o famoso “RAIFRAN”, atraiam um grande público para o estádio Elinaldo Barbosa e, posteriormente, para o Colosso do Tapajós. Atletas como Bigurrilho, Cabecinha, Barriga, Arnaldo, Bendelack, Hailton e tantos outros craques, fizeram história e deram muitas alegrias para as torcidas dessas duas tradicionais equipes santarenas.
São Francisco Futebol Clube - Santarém-Pa -
Fonte: http://leaoazulsantareno.blogspot.com/p/historia_342.html
Assim como em outras regiões do país, em Santarém, as equipes cariocas (Fluminense, Vasco, Flamengo e Botafogo) influenciaram bastante os atletas amadores da cidade, motivando-os a denominarem suas equipes com o nome do time pelo qual torciam. João dos Santos Pedroso Filho, um advogado da cidade, hoje com 77 anos, por exemplo, era o “cartola” de uma equipe que ele denominou de Vasco da Gama, e que ganhou muitos campeonatos na cidade. Sua equipe vigorou desde o final da década de 1970 até o ano de 1990, quando o desportista passou a coordenar campeonatos de bairro, como foi o caso do primeiro campeonato de Futebol Master do bairro da Liberdade. Em meados da década de 1990, ocorreram muitas transformações nas cidades, onde os campos de futebol passaram a dar lugar a prédios, escolas, e outras construções.
Vasco da Gama do Rio de Janeiro em 1977, quando veio fazer um amistoso com uma das equipes de Santarém, destaque para a presença dos jogadores Abel Braga e o goleiro Mazaropi. O Vasco da Gama do seu João Pedroso (o sengundo, da esquerda pra direita, em pé - com a camisa "adidas"), fez o jogo preliminar.
Fonte: Paulo "Bicho"
Na década de 1980, o Vasco da Gama do seu João Pedroso, se adequando à nova forma de jogar futebol na cidade, aderiu ao futebol society, mantendo, porém a mesma qualidade que tinha anos antes, quando jogava o futebol tradicional. E, em 1987, sagrou-se campeão do primeiro campeonato de futebol society do bairro do Caranazal, em Santarém.
Vasco da Gama do Seu João Pedroso - Campeão do primeiro Campeonato de Futebol Society de Santarém - 1987 - Local: Campo onde hoje funciona a Ufopa, Campus Rondon
Da esqueda para a direita, em pé: João Pedroso, Valdemar, Va Da esqueda para a direita, em pé: João Pedroso, Valdemda, Tenório, Londa, Jovannes, Dedé, Dinho (goleiro) e Noel; Agachados: Abraão, Pelé, Galo, Ladilson, Dinho 2 e Hélio. - Fonte: Jonnes Pedroso
No Parque da Cidade, por exemplo, atualmente, há dois campos de futebol, um na parte interna e outro do lado de fora do Parque. Em ambos os campos tem futebol todos os dias a partir das cinco horas da tarde e, também, algumas vezes, aos sábado e domingos pela manhã.
Sobre este espaço, um fato curioso e que merece destaque é que, durante o processo de configuração e formação do Parque da Cidade, em 2008, havia no planejamento, a retirada do campo existente no seu interior. Foi quando entrou a liderança de Dilton da Mota Santiago, um antigo peladeiro desse campo, que antes chamava-se “campo da base aérea”. Dilton reuniu com todos os atletas e juntos decidiram intervir junto à prefeitura para manter o campo do interior do Parque, já que era um espaço tradicional dos antigos peladeiros deste bairro da cidade.
Sendo assim, ele elaborou um documento muito bem argumentado, um eloquente abaixo assinado, solicitando que a prefeitura mantivesse o campo em benefício da comunidade, alegando, inclusive, que o pai da atual prefeita na época, dr. Everaldo Martins, que também já fora prefeito da cidade, tinha sido um baluarte do esporte santareno.
Esse abaixo assinado surtiu efeito positivo, pois a prefeitura se sensibilizou com a argumentação e decidiu manter o campo, delegando a Dilton a responsabilidade de gerenciar o espaço.
Abaixo assinado solicitando manutenção do campo no interior do Parque da Cidade
Fonte: Dilton Santiago
Equipe do São Raimundo de Santarém 1968 - tendo à frente o dr. Everaldo Martins Fonte: Tony
A partir de então, Dilton, que participava das peladas como atleta, passou também a ajudar na organização do lado de fora. Em alguns dias ele jogava uma ou outra partida, mas passou cada vez mais a se dedicar à organização.
Atualmente, Dilton, com 67 anos, diz que, desde 2015, “apenas” coordena as “peladas” de terça e sexta-feira, no horário das 17 às 19h, juntamente com seu fiel parceiro PC (Paulo César Canto), Serrinha (Carlos Alberto Golobovante) e Gerson Jacaré (ex-jogador do São Raimundo). Segundo Dilton, a tarefa de organizar não é tão simples como pensam, e recebe críticas de alguns atletas que não compreendem. “...Somente vir para jogar o futebol é fácil, porém, montar as equipes sem favorecer “A” ou “B” é difícil. Então os colegas PC e Serrinha ajudam a distribuir os coletes para os atletas, conforme os nomes que vou anotando conforme a ordem de chegada deles ao campo, tentando deixar as equipes equilibradas pra uma não ficar melhor que a outra”.
As regras adotadas nesta pelada é a do futebol profissional, com algumas adaptações, naturalmente. A principal característica é a idade do atleta, que deve ser de no mínimo 40 anos. Dilton traz os coletes lavadinhos e as peladas, que chegam a ter três jogos de quarenta minutos cada, conforme o número de "garotos" que comparecem, tendo, certos dias, mais de 60 atletas. A média de idade da “molecada” é de 55 anos, com a participação desde um atleta de 40 anos até o mais velho da turma, seu Onerino, de 81 anos, seguido do seu Mundico, com 79 anos. Todos os jogos são comandados por um árbitro, que apita o jogo e mantém a disciplina dentro de campo, inclusive fazendo uso dos cartões (amarelo e vermelho), quando necessário. Ultimamente, inclusive, "China", um ex-árbitro, já aposentado, tem ajudado nessa tarefa.
Dilton, com um certo brilho nos olhos, também nos contou o seguinte: “....Temos o privilégio de ver atletas que hoje estão na terceira idade e que ainda sabem jogar futebol. E, de vez em quando aparecem “boleiros” que vem visitar Santarém e se deparam com as atuações de muitos que fizeram história no futebol Santareno, no Brasil e até no Exterior....”
Além das peladas das tardes de terça e sexta-feira, Dilton, PC, Serrinha e Jacaré ainda agendam partidas de futebol aos sábados ou domingos contra outras equipes de peladeiros da cidade, convocando alguns dos atletas que mais se destacam durante a semana. Uma das equipes que o time do Dilton tradicionalmente enfrenta durante o ano é o poderoso Estopim.
Time do Dilton num domingo festivo de futebol — Fonte: Dilton Santiago
Um outro coordenador de peladas nesta arena do Parque da Cidade é ninguém menos que Hailton Cesar Pantoja de Sousa, um ex-jogador de futebol profissional que atuou nos dois clubes principais de Santarém, São Raimundo e São Francisco. Hailton falou que coordena o futebol de segunda-feira, no Parque há aproximadamente um ano e meio.
Belezão, como Hailton foi apelidado pelos seus companheiros de equipe no tempo em que era profissional, recebeu essa alcunha porque, segundo ele próprio, ele era um dos "galãs" da equipe. Disse ele: “...hoje já estou assim, com 59 anos e um pouquinho acima do peso, mas naquela época eu era um jovem bonitão, cabelo grande, que era a moda daquela época, e as meninas que iam ao estádio para ver os jogos, queriam também ver o Hailton.... cadê o Hailton? cadê o Hailton?, elas gritavam... aí os “sacanas” dos colegas diziam... está ali, o Belezão, ó!.... aí, pegou.... rs...”
São Raimundo Esporte Clube - Santarém-Pa, destaques para Hailton, o quinto em pé da esquerda para a direita e Gergon Jacaré, o primeiro da esquerda para a direita, agachado - Fonte: Hailton Cesar
Vários atletas que frequentam o Parque são unânimes em afirmar que Hailton foi um craque em campo, um dos melhores meios-de-campo do futebol Santareno, com qualidade para atuar em qualquer equipe do futebol brasileiro. Isso ainda pode ser visto hoje, uma vez que Hailton ainda joga nos dias de terça e sexta-feira, e ainda que esteja com 59 anos, um "tiquinho" acima do peso, a bola no pé dele ainda é tratada com muito carinho. Só para constar, ele foi campeão santareno dez vezes e foi escolhido pela imprensa local e torcedores como melhor jogador dos 30 anos do colosso do Tapajós.
Hailton Cesar: homenageado pela imprensa local — Fonte: Hailton Cesar
Hailton Cesar recebendo homenagem da Câmara dos Vereadores de Santarém
Fonte: Hailton Cesar
A "pelada" que o Hailton comanda segunda-feira tem as mesmas características das que o Dilton e seus companheiros coordenam, mesma faixa etária, com atletas de 40 anos ou acima, e parte dos atletas participam de ambas as peladas, as dele e as do Dilton. Porém, Hailton ainda faz uma outra adaptação à regra, cada time joga com 12 atletas. E, podem acreditar, a pelada é muito animada, chegando a jogar mais de 40 jogadores numa tarde, que nesse caso, vão substituindo os atletas que vão se cansando, ou se contundindo no decorrer do jogo. Mas todos saem muito contentes, ganhando ou perdendo seus jogos.
Hailton Cesar “Belezão” (camisa verde) e o atleta Nenê numa segunda-feira de futebol no Parque da Cidade de Santarém-Pa — Fonte: Blog JD
O Parque da Cidade
O Parque da Cidade, criado em 2008, que até já foi objeto de pesquisa científica para uma dissertação de mestrado, que verificou o conforto térmico em sua praça anexa, beneficiado pela sua extensa vegetação e já foi palco de vários eventos, fica situado entre as avenidas Bartolomeu de Gusmão, Barão do Rio Branco e Travessa Sérgio Henn.
Entrada do Parque da Cidade em Santarém — Fonte: Geovane Brito/G1
O local é uma área recreativa e paisagística que, diariamente, recebe mais de duas mil pessoas no horário de 6h às 21h para as mais diversas atividades. Tem os futebolistas, que enchem os dois campos de futebol. Outros vão para realizarem suas corridas e caminhadas nas trilhas no interior do parque ou caminham os quase dois quilômetros em volta dele. Outros vão fazer dança, exercício funcional, voleibol, capoeira, etc, fazer piquenique, ou apenas contemplar a bela paisagem que ele proporciona. O que importa é que o Parque da Cidade já se consolidou como um dos espaços públicos mais importantes da cidade de Santarém-Pa, onde a população tem toda a liberdade para praticar, gratuitamente, atividades saudáveis.
Fontes de consulta:
https://brasilescola.uol.com.br/educacao-fisica/historia-do-futebol.htm
DAMO, Arlei Sander. Do dom à profissão: a formação de futebolistas no Brasil e na
França. São Paulo: Hucitec: Anpocs, 2007. 359 p
_________________. Senso de Jogo. Esporte e Sociedade [online]. nº 01. nov2005 / fev2006. Disponível em: http://www.uff.br/esportesociedade/pdf/es103.pdf Acesso em 12/12/2008.
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ResponderExcluirTexto muito bem trabalhado. Um questionamento que vai muito além do que simples prática esportiva. Tratar do Parque da Cidade e dos locais que proporcionem lazer à sociedade é fundamental. Precisamos conversar o quanto isso pode ser necessário para a convivência social, para a educação e para a saúde das pessoas. O Parque e as atividades esportivas não são questões isoladas. São tópicos que podem melhorar e salvar vidas. Além de serem assuntos para nosso conhecimento também.
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