Histórias de Santarém: uma artesã, um homicídio e uma execução.

Por Jabert Diniz Júnior

Uma artesã

De uma forma ou de outra, todos nós gostamos de uma boa história, sejam elas verdadeiras ou fantasiosas. Gosto de ambas, mas gosto especialmente das verdadeiras, das que estão registradas em livros ou em algum outro tipo de mídia, ou as contadas pelas pessoas do lugar.

Saber da história da sua cidade natal ou da cidade em que você mora é, de alguma forma, importante, quase um dever. Pelo menos, na minha opinião.

A cidade em que hoje moro há mais de vinte anos, Santarém, no Estado do Pará, uma bela cidade estrategicamente localizada no coração da Amazônia e que tem 363 anos, naturalmente, tem muitas histórias. Então, vez ou outra, procuro ler alguma obra com fatos interessantes do local. Ou, alguma reportagem relevante sobre a região me remete a pesquisar mais profundamente a respeito do assunto.

Foi exatamente por essa razão que, no dia 19 de maio de 2017, quando faleceu uma importante figura da cidade, um dos principais ícones da arte e da cultura santarena, a artista plástica Raimunda Rodrigues Frazão, artisticamente conhecida como Dica Frazão, fui buscar saber mais profundamente sobre a vida da artista.

Ao assistir à notícia nos telejornais locais, resolvi procurar saber um pouco mais a respeito da artista que tanta repercussão estava causando na cidade. Embora já soubesse alguma a respeito, e passasse quase que diariamente em frente à sua casa, localizada no centro da cidade, na rua Wilson Dias da Fonseca, que é onde, desde 1999, funciona o museu que leva o seu nome - fundado por ela mesma -, ainda não tinha tido a curiosidade de saber de sua história, até o dia em que foi noticiado o seu falecimento.

Museu Dica Frazão, Rua Wilson Dias da Fonseca, 281, na área central de Santarém.

Primogênita de um casal de agricultores, Raimunda Rodrigues Frazão nasceu em Capanema, nordeste do estado do Pará, no dia 29 de setembro 1920. Na educação formal, ela estudou somente até a quarta série. Mas durante sua vida toda, até o final, sempre buscou por novos conhecimentos. 

Órfã de mãe aos 12 anos, o pai deixou a família dois anos depois. Com 14 anos, portanto, Dica Frazão teve de cuidar dos sete irmãos mais novos. Como arrimo de família, ela trabalhava durante o dia na roça e à noite costurava, dando início a um grande trabalho que resultaria na renomada artista que se tornou.

Dica Frazão, que chegou em Santarém quando tinha 22 anos, de fato, não se tornara simplesmente uma costureira, mas também era ela quem tecia absolutamente todo o material usado em suas obras, e ainda era a desenhista dos figurinos feitos manualmente em seu singelo ateliê.

Com traços ímpares e acabamento espetacular, as obras da artesã, modista e estilista Dica Frazão ganharam o mundo. Suas obras foram presenteadas a grandes personalidades mundiais, como: a rainha Fabíola, da Bélgica, o Papa João Paulo II e o ex-presidente Juscelino Kubitschek.

A artista se destacou por usar matérias-primas especiais, como fibras, sementes e raízes amazônicas, sendo pioneira nesta técnica e reconhecida internacionalmente pelo trabalho.

A primeira criação da artesã, um leque de penas de pássaros, foi feita em 1949, seis anos após a chegada de Dica Frazão em Santarém. Ela manteve sua técnica em segredo, respeitando o pedido dos povos originários que lhe forneciam o mateiral base para as costuras. Ela chamava este material de "entrecasca das árvores" que, segundo ela, a espécie da madeira da qual eles retiravam a matéria-prima nunca foi revelada. 

E um pouquinho da sua história já foi destaque no Fantástico da rede Globo, no quadro ‘Me leva Brasil’, do jornalista Maurício Kubrusly, e por várias vezes já foi destaque nos telejornais locais.

Matéria do quadro "Me leva Brasil" do Fantástico sobre Dica Frazão.

Um homicício e uma execução

A busca pela história da artesã Dica Frazão, me levou a outro acontecimento ligado à cidade de Santarém, mas que ocorrera muito tempo antes. Para ser mais exato, o fato ocorreu há 56 anos, no dia 15 de fevereiro de 1969. O assassinato do então prefeito de Santarém Elinaldo Barbosa dos Santos. 

O que escrevo hoje, fiquei sabendo naquele dia do desencarne de Dica Frazão. E, para a minha surpresa, o homem que matou o ex-prefeito santareno durante os tenebrosos anos de chumbo do Brasil, o senhor Severino Frazão, era esposo da artesã.

Então, curioso pelas histórias da cidade em que hoje moro, fui atrás das informações a respeito do crime ocorrido nos fatídicos tempos da ditadura militar.

Fatos e versões do caso

Segundo o saudoso compositor, poeta e escritor, Emir Bemerguy, que, minutos depois do ocorrido, escutou a notícia em sua casa pela então Rádio Educadora - atual Rádio Rural -, em seu livro "Diário de um convertido", fez o seguinte registro sobre o episódio:

"Severino Frazão invadira o gabinete onde se encontravam Elinaldo, Jerônimo Diniz, Antônio Castro, Euclides rodrigues e o motorista Claudiuonor de tal, dizendo apenas: – “Seu prefeito, eu vim buscar o meu dinheiro! (um mês de vencimentos). Ato contínuo, acionou o gatilho. Atingindo no centro da testa, Elinaldo caiu no chão, recebendo dois projéteis – um na axila esquerda e outro no ante-braço do mesmo lado, sendo este o único tiro transfixante. O gestor, robusto como era, ainda se ergueu para, cambaleante, tombar lá fora, na sala de espera, entre mesas e cadeiras, expirando pouco depois".

E o radialista da Rádio repetiu algumas vezes a trágica informação. Poucos minutos depois, Ercio Bemerguy, irmão de Emir, que era o radialista de plantão, dava conhecimento aos ouvintes do seu programa: “Severino Frazão foi morto há poucos instantes pelo sargento Raimundo Hércules, da Polícia Militar do Pará.“

O jornalista Manuel Dutra, em uma matéria de 15 de fevereiro de 2012 no blog do Jeso, cujo o título foi 'Eu vi: assassinato de Elinaldo Barbosa', também contou sua versão sobre tão impactante episódio para os santarenos.

Disse o jornalista que chegou à Prefeitura, local do crime, atualmente o Centro Cultural João Fona, cerca de 20 minutos após o assassinato do prefeito: "... Era um sábado, umas 10 horas da manhã. .... Quando entrei na antessala do gabinete, o corpo de Elinaldo estava no chão, de peito pra cima, braços abertos, camisa meio desabotoada mostrando o peito perfurado pelas balas. Os tiros deflagrados por Frazão foram dentro do gabinete, atingindo também a parede atrás da mesa usada pelo prefeito. Mesmo atingido mortalmente, Elinaldo ainda conseguiu forças para levantar e sair do gabinete, indo cair da sala de espera, entre mesas e cadeiras."

Museu João Fona, antiga sede da prefeitura de Santarém.

Ainda segundo Dutra (que naquele momento estava trabalhando como correspondente de 'O Liberal' e da 'Rádio Rural' - depois de ter trancado sua matrícula na Universidade Católica de Pernambuco, em virtude das ameaças dos militares após a decretação do AI-5): "...Frazão já tinha se refugiado na casa dos padres seculares, na rua ao lado direito da igreja de São Sebastião. Estava na casa o padre Daniel, que conversava com Frazão sobre a necessidade de negociar com a polícia, do lado de fora, para ele se entregar."

E cerca de 40 minutos a uma hora depois de entrar na casa do padre, ficou acertado que Frazão se entregaria, saindo pela porta que dava para o quintal da casa do sacerdote. Mas, de acordo com Dutra, a guarnição da PM, naquele momento, era comandada por um oficial que era amigo de infância de Elinaldo e estava possesso de ódio. 

E num ato de extrema covardia, segundo o jornalista, o oficial sacou a arma e matou Severino que, por intermediação do padre, já tinha aceitado se entregar. Frazão já tinha, inclusive, entregue a sua arma. O corpo dele ficou horas no chão, no quintal do religioso.

Conjuntura política local e nacional

Ainda segundo o jornalista Manuel Dutra, o episódio todo teve relação com as mudanças na política local.

O prefeito eleito Elias Pinto tinha sido afastado do cargo pelos vereadores e pela tropa mandada de Belém pelo coronel Alacid Nunes, então governador do Estado do Pará, resultando na morte de outras pessoas e no baleamento do brigadeiro Haroldo Veloso que, mesmo sendo militar e filiado ao partido do governo, decidiu defender Elias diante da injustiça clara que se realizava contra o prefeito.

Severino Frazão era correligionário e amigo de Elias Pinto e tinha sido posto em disponibilidade por Elinaldo Barbosa, que ocupou a prefeitura em meio à confusão da cassação violenta de Elias.

Como administrador do mercado central da cidade e sentindo-se desprestigiado pelo atual gestor, Frazão, naquele sábado chuvoso em Santarém, foi ao gabinete ajustar contas com o prefeito, a quem acusava de havê-lo humilhado. 

A morte do então prefeito de Santarém foi a gota d’água para o município de Santarém ser decretado como área de segurança nacional pelo governo militar, que mandou o capitão Elmano de Moura Melo como interventor. O brasil, neste período, encontrava-se sob o regime do famigerado Ato Institucional nº 5 (AI-5), que havia sido decretado em 13 de dezembro de 1968.  

Sendo assim, o crime de Frazão, ainda de acordo com o jornalista Manuel Dutra, não foi um crime comum, e sim um crime político, um crime que se insere naquele quadro de anarquia que tomou conta da política de Santarém desde a eleição de Elias Pinto.

O assassinato teve repercussão nacional, tendo sido publicado na edição de 21 de fevereiro de 1969 do Jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro (RJ) o que também serviu como justificativa para a intervenção federal no município.

Elias Ribeiro Pinto morreu em 1985, aos 60 anos. Seu  nome é lembrado por uma praça, no bairro da Prainha (antiga praça 31 de março) e por uma avenida de prolongamento, da Br-163 até a PA Everaldo Martins, denominada avenida Elias Pinto.

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Já dizia o "grande filósofo" Paulinho Gogó: "Quem não tem dinheiro..., conta história!"

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Comentários

  1. LINDO Relato desse fatídico caso! Igual a vários outros que já li, o autor "ROMANTIZA" um HOMICÍDIO DOLOSO em que o ASSASSINO, não deu nenhuma chance de defesa à vítima! FATO!!! Político ou não, o CRIME FOI HEDIONDO e garantiu severas mudanças naquele contexto Santareno. Dona DICA FRASÃO merece a HONRA SANTARENA, seu esposo, marcou a HISTÓRIA DE SANTARÉM como nada mais e nada menos que UM ASSASSINO!

    "O OFICIAL da PM o matou de forma COVARDE!" e a forma que ele ASSASSINOU O PREFEITO, COMO FOI?

    A HISTÓRIA PRECISA SER CONTADA TENDO COMO BASE, NÃO O ROMANTISMO, MAS A REALIDADE DO CASO!

    FATO!

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