O Cagão

Da série "Lampejos da memória"

O Cagão

Por Jabert Diniz Júnior - Santarém,Pa

A antiga Escola Técnica Federal do Pará (ETFPA), sediada em Belém, é, hoje, o Instituto Federal do Pará (IFPA). Nos anos 1980, especificamente de 1985 a 1989, foi o ano que minha turma estudou lá. Nosso curso? Técnico em Mecânica.

IFPA, antiga Escola Técnica Federal do Pará, ou só "Escola", como carinhosamente a chamávamos.

E essa turma aprontou demais durante esse período. Existia, só para registrar, a galera do bem e a galera do mal. Havia um meio termo? Provavelmente, sim. Mas não sei quem se enquadrava nesta.

Só para não ficar uma má impressão, galera do bem, era aquela galera mais certinha, que sentava nas carteiras da frente, que estava na "Escola", de fato, só para estudar. E eles estavam certíssimos. A do mal? Não é que fôssemos maus, mas era a do fundão. Na realidade, fui eu que cunhei esses termos muitos anos depois, ao refletir sobre esse período da minha vida.

Não sei exatamente o padrão de vida de cada colega naqueles tempos. Não conheci a realidade de cada um. Conheci, no entanto, ainda que superficialmente, de alguns. Eu, por exemplo, sendo do interior do Pará, de Alenquer, em 1983, tinha ido para a capital paraense para estudar. Então, eu morava com meus irmãos em um apartamento que meus pais adquiriram num residencial chamado Império Amazônico, localizado na avenida Almirante Barroso, quase em frente à sede social do clube Tuna Luso Brasileira.  Alguns colegas tinham situação semelhante. Aliás, Leovaldo era meu vizinho nesse mesmo conjunto.  Uns moravam sós, outros com namoradas ou em casa de estudantes que eram financiadas pela prefeitura de suas cidades. A maioria, no entanto, era de Belém mesmo e morava com os pais, com a família. Até frenquentei a casa de alguns, ou pra estudar ou pra tomar cachaça.

Todos os cursos da ETFPA, ou quase todos, promoviam as chamadas "visitas técnicas" às empresas. A nossa, de mecânica, então, fazia muitas visitas, que tinham como objetivo apresentar aos alunos as possibilidades de campos de trabalho para nós, futuros técnicos em mecânica.

Então, houve visitas técnicas à Vale do Rio Doce, na Serra dos Carajás; à Hidrelétrica de Tucuruí, na cidade de mesmo nome; à Alunorte, em Barcarena empresa que explora bauxita; Houve, também, visitas a empresas que ficavam dentro da capital mesmo, como a Perfumarias Phebo S/A,  uma empresa paraense de cosméticos fundada em 1930, à FACEPA, fábrica de papel e celulose, na qual, já na década de 1990, ainda trabalhamos como trainee. Enfim, fizemos visitas a várias empresas que necessitariam de mão-de-obra especializada na área de mecânica.

Em uma dessas visitas, que não foi especificamente da nossa turma, e sim de uma turma mais antiga, e de Metalurgia, alguns colegas mais entrosados se anteciparam e foram juntos, como primeira experiência. Foi uma visita à Serra dos Carajás, à empresa Vale do Rio Doce, que explorava o minério de ferro e outros minerais (em outro momento, conto como foi a visita à Serra, a qual eu estava presente. Outra aventura.).

A Serra dos Carajás fica localizada na região centro-sul do Estado do Pará, atravessando regiões dos municípios de Marabá, Canaã dos Carajás, Curionópolis, Parauabepas e São Félix do Xingu. E para chegar lá, saindo de Belém, numa longa viagem, o ônibus da ETFPA atravessava o rio Guamá em uma balsa (não havia a Alça Viária naquele tempo) e, pela rodovia PA-150, passava por várias cidades, como Moju, Mocajuba, Tailândia, Marabá e Parauapebas, até chegar ao pé da serra. 

Lá por volta de 1986, quando ocorreu essa viagem, as matas da região não estavam tão depredadas como estão hoje. Havia uma densa floresta com muitos animais selvagens ainda, como onças, jaguatiricas, e enormes sucurijus.

Em 1987, no Zoo da Serra dos Carajás, de frente: Eu e Márcio Maia e, de costas, Xepa e Valmir. No detalhe da seta em vermelho, uma onça.

E foi aí que um dos nossos colegas passou pela sua maior aventura na vida, com certeza.

Lá pelo meio da viagem, mais ou menos umas duas horas da madrugada, o motorista do ônibus, a pedido de alguns professores, parou na estrada para tirarem a água do joelho. Nisso, nosso colega, também desce, fala com um dos professores que haviam descido, avisando que estava com dor de barriga e ia "descarregar". Para não saírem sem ele. Ele se afasta um pouco mais do ônibus, para fazer sua necessidade fisiológica n⁰ 2. O professor quando voltou para o ônibus,  esqueceu de avisar o motorista sobre o aluno "diarréico" que, sem perceber a ausência do aluno, e vendo que os outros haviam subido no ônibus, dá a partida e recomeça a viagem.

Foi quando começou o drama do Xepa. Ouvindo o ônibus dar a partida e começando a se mover, ele, que estava um pouco distante do ônibus,  ainda com as calças arriadas e a bunda suja, saiu correndo, gritando: "- ei, eu tô aqui, Ei, Manel, ei Manel, pára, Manel!". Xepa ainda correu uns 300 metros atrás do ônibus, gritando. Em vão. Era tarde demais. Nem Manel, o motorista, e nem ninguém no ônibus escutou o Xepa gritar. Xepa Ficou sozinho na estrada àquelas horas da madrugada. Numa noite escura, cercado de uma densa floresta. Ninguém deu pela falta dele naquele momento e o ônibus seguiu viagem com todos, menos o Xepa.

Assustado, como não poderia ser diferente, ainda mais para um garoto de seus 17 ou 18 anos, Xepa, vendo que o ônibus não voltaria, tentou se acalmar e, naquela escuridão, começou a pensar no que fazer. Nenhuma viva alma havia por ali.

Sujo, da diarreia que o havia pegado de surpresa, ele continuou andando na estrada no sentido que o ônibus se foi, em direção à serra dos Carajás.

A cada barulinho, Xepa se assustava e o cabelo se arrepiava todo. Sabia das histórias de bichos naquela região, especialmente de onças. Seu pai o havia alertado.

Andando num passo apressado, a certa altura, encontrou uma ponte que passava sobre um Igarapé. Desceu com cuidado, e se lavou. Se banhou pra tirar a inhaca.

Limpinho, agora, mas com muito medo, ele seguiu  sua viagem a passos largos e rápidos, sempre atento a qualquer ruído. Mais ou menos umas duas horas, depois que o ônibus partiu, Xepa viu uma casa. Não era exatamente na beira da estrada, era mais pra dentro do mato. Havia um caminho e uma porteira. Ele viu um resquício de luz lá dentro. Xepa parecia ter dado sorte.

Passou pela porteira, se aproximando, gritou: "- Ei, ei de casa, senhor, boa noite! Por favor, me ajude!". E quando Xepa estava tentando explicar sua situação, dizendo que era um aluno da ETFPA que foi deixado para trás, porque estava fazendo o número dois, ele ouviu um estrondo. O sujeito da casa, sem saber quem era que se aproximava, deu um tiro de cartucheira pra cima.

Xepa nunca correu tanto na vida. Varou a porteira como uma flexa, numa velocidade nunca vista. Pegou o rumo da estrada e correu, correu, correu uns cinco quilômetros sem sequer olhar pra trás. 

Já bem distante, muito cansado e sentindo que estava seguro, com o dia já amanhecendo, Xepa viu uma carreta vindo. Ele deu sinal e, milagrosamente, o motorista parou. "- Graças a Deus!", ele suspirou.

Ao escutar resumidamente a história do nosso personagem, o carreteiro, comovido com a história, concordou em levá-lo, mas não na boleia e sim lá em cima, na lona do caminhão, por cima da mercadoria. Xepa agradeceu muito e subiu na carroceria.

Com algum tempo de viagem, com o vento e o sol na cara, ele vê e reconhece o ônibus da "Escola" voltando. Ele ainda conseguiu fazer um sinal com os braços, gritando e alguém no ônibus o enxergou também quando os automóveis se cruzaram. 

O ônibus deu a volta e Xepa tinha pedido para o caminhoneiro parar. Já no chão, Xepa agradeceu mais uma vez ao caminhoneiro pela ajuda, e, nesse momento o ônibus para no acostamento para resgatar o desditoso aluno da turma de 1985 do curso de Técnico em Mecânica da ETFPA.

Quando ele entra no ônibus, aliviado, se sentindo seguro, imaginando que todos estavam sensibilizados com a sua desventura, eis que um dos colegas (da turma de Metalurgia) grita lá do fundão: "Borra, Cagão, tu só atrasou nossa viagem!".

Pobre Marcos, que já tinha ganho o apelido de "Xepa", pelo fato de ele, certa vez, ter tomado 12 pratos de canja no refeitório da ETFPA na hora da merenda, agora ganhou a fama e o apelido de "Cagão" da ETFPA. Mas, Cagão, felizmente não pegou. Que sorte, em Marcos?

Hoje, Marcos, o Xepa, é um bem-sucedido empresário no ramo do Turismo de entretenimento e possui um espetacular balneário chamado "Parque Águas Claras", no município de Benevides-Pa, bem pertinho da capital Belém do Pará.

Então, quando estiverem na capital paraense, é só dar um pulo lá, conferir e passar um dia agradabilíssimo com sua família e curtir a natureza e uma deliciosa culinária paraense.


Nota do autor: Esta é uma crônica romanceada, o que significa dizer que alguns detalhes aqui postos são ficção e tem como único propósito florear o texto, dando-lhe um caráter lúdico, com o intuito de divertir o leitor.

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