A pipoca do Sapo e o picolé do Surdo


A pipoca do Sapo e o picolé do Surdo: a combinação perfeita. 

Jabert Diniz Júnior

Infalível, todos os domingos, durante um tempo da minha infância eu repeti esse ritual: Um saquinho de pipoca do "Sapo" e dois picolés de abacaba (ou bacaba) do "Surdo". Por quanto tempo não me recordo. Mas não importa.

Meu pai, todos os domingos, pela parte da tarde, especialmente no período das festividades de Santos, e mais especificamente, no período da festa de Santo Antônio, cujo o "largo" fica pertinho de casa, me dava um cruzeiro pra eu farrear. Tal "fortuna" dava pra comprar esse incrível "combo" (um saquinho de pipoca e dois picolés), com o qual eu me deliciava. Mas, o "Velho", ao me dar o dinheiro, sempre brincava: "Não vai gastar com mulher estrangeira".

Lá pelas cinco e meia da tarde, banho tomado, cheirosinho, arrumadinho sob a rígida fiscalização da dona Eliete, minha mãe, e com a grana no bolso, saía de casa para repetir uma deliciosa rotina de domingo. Comprava logo um saquinho de pipoca do Sapo, que também, infalivelmente, mais ou menos cinco e meia da tarde, passava com o seu carrinho de pipoca pela frente da casa do meu avô Zé Hage em direção ao União Esportiva, ou ao Xeque-mate, clubes que promoviam as "baladas" vespertinas de domingo.

Sapo era o pipoqueiro mais conhecido da cidade naqueles tempos. Não tinha um moleque do bairro do Centro que não o conhecesse. E ele vinha lá da Luanda, outro bairro da cidade, empurrando tranquilamente seu carrinho de pipoca. Era um sujeito muito bacana e atencioso com a molecada. Inúmeras vezes quando chegávamos para comprar a pipoca, ou já tinha acabado uma remessa ou ainda  havia uns saquinhos sobrando. Eram saquinhos de papel que eram enchidos de pipoca até a boca, mas, às vezes, não estavam mais quentinhas.

Daí, atendendo ao apelo da turma, que queria pipoca da hora, quentinha e crocante, Sapo ia preparar uma outra porção para poder atender àquela ruma de moleques, que rapidamente rodeava seu disputado carrinho de pipoca.

E a feitura da pipoca era um espetáculo à parte. Eu sempre prestava muita atenção naquele processo (que num futuro não muito distante vim a imitá-lo, fazendo pipoca em casa). Era um ritual que Sapo já fazia quase que automaticamente.

Com toda a sua calma peculiar, ele colocava a panela sobre o fogo do fogareiro a gás, adicionava óleo, uma porção de sal e outra de manteiga e, finalmente, um copo cheio de milho. Fechava a panela e girava lentamente a pequena manivela que ficava na tampa,  numa velocidade que ele já sabia, para que todo o milho, ou quase todo, virasse a tão desejada pipoca. O processo era bem rápido até. E aqueles poucos minutinhos de espera só serviam para aguçar ainda mais a fome da gurizada, porque o cheirinho que exalava daquela panela era simplesmente divino.

Alguns minutos depois, Sapo esparramava a pipoca da panela na parte do carrinho já preparada pra isso e, com outro copo apropriado ele começava a encher os saquinhos de papel até a boca para distribuir para os moleques que já estavam em alvoroço para pegar o seu, e com o dinheiro na mão, naturalmente. 

Agora, com aquele saquinho de papel cheinho de pipoca quentinha na mão, eu e mais dois amigos íamos saboreando e caminhando em direção à praça da Matriz de Santo Antônio.

Isso porque, além de estarmos no início do mês de junho, tempo da festa do Santo casamenteiro de Alenquer (era o melhor período da cidade naqueles tempos, pelo menos para mim), a sorveteira do Surdo ficava lá do outro lado da Matriz e iríamos para o nosso segundo tempo gourmet.

Surdo era um sorveteiro de mão cheia, que aprendeu o ofício muitos anos antes, quando trabalhou na sorveteira e fábrica de gelo Ideal, de propriedade do meu avô Zé Hage e da Vó Niquita. Era surdo, de fato. Seus filhos eram nossos amigos, especialmente "Pitanga", que tinha mais ou menos a nossa idade. Já há algum tempo, Surdo trabalhava nessa sorveteira, salvo engano, pertencia ao seu Ivan Nunes, que funcionava na travessa Santo Antônio, próximo à  casa do sanfoneiro  Tinga (falecido recentemente).

Ao chegarmos à "sorveteira do Surdo", já quase terminando aquela maravilhosa guloseima - a pipoca do Sapo - chupando os dedos melados de manteiga deliciosamente salgadinhos, e sentando à mesa, a gente pedia a primeira rodada de picolés. Eu não tinha dúvidas quanto ao sabor: "Pra mim é de abacaba". O contraste daqueles sabores, há um instantinho salgadinho, e agora o doce sabor gelado daquele fruto maravilhoso, era simplesmente divino. E saboreávamos até o último pedacinho do picolé....humm que saboroso... que delícia...

Só que apenas um picolé não bastava, a farra tinha que ser completa, aí vinha a segunda rodada. Que maravilha! que sensacional! que espetacular!... me desculpe o aparente exagero, mas é que há lembranças da infância que simplesmente nos faz viajar no tempo, muito especialmente quando elas se referem a aromas e sabores. E a lembrança desses dois picolés de abacaba da "sorveteria do Surdo" depois de um saquinho de pipoca do Sapo, simplesmente me transportam a um dos  momentos mais felizes da minha vida.

Pronto, depois de saborear aquele segundo picolé, finalzinho de tarde, Já escurecendo, íamos curtir o arraial de Santo Antônio. 

E eu,  mais uma vez havia gasto o meu rico "cruzeirinho" de domingo, muito bem gasto por sinal, ainda que nunca tivesse havido a tal "mulher estrangeira" rs.

Um cruzeiro: o suficiente para uma deliciosa farra.

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Aproveite e leia outras crônicas do blog. Você vai se divertir e até se emocionar. 



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